Da série In the blue world(Noriaki Hayashi)
“Em Junho e Julho, na Galeria Serpente do Porto, Noriaki Hayashi expôs uma série de cianotipos onde dominavam imagens como estas, elevando-se nas paredes brancas como aquários de água Azul da Prússia.
Com os cianotipos, decididamente construídos, objecto a objecto, entramos no mundo da imaginação e do delírio. E não interessa conceptualizar que Hershell, o astrónomo inglês amigo de Talbot, os criou em 1842 ou que Pellet, em 1878, quase industrializa o papel sensível que lhes dá cor e menos trabalho; nem sequer que nos cansamos dos livros de botânica ilustrados a azul ciano e das gravuras requintadas e envelhecidas de uma tia velha qualquer, quando havia sala de estar só para as senhoras bordarem e lerem o Camilo.
Os cianotipos representam essa amálgama de Ilustração das elites curiosas e da Revolução Industrial dos capitalistas: o cianuro de potássio é um sub-produto do gás de iluminação e o ácido fórmico que nos imprimiu a higienização da vida é um dos derivados dos ferro-cianuros. Agora hesitam entre a insistência estética e o revivalismo. Hoje, usa-se o papel Diazo. Mas a velha mistura dos dois sais de ferro de Hershell, dá uma outra patine à experimentação.
A impressão fotográfica tradicional abre-nos sempre a porta do universo da Alquimia. Subjacente ao esclarecimento que a Química oitocentista exigiu das velhas fórmulas e vocabulário hermético, ficam inesquecíveis palavras-chaves para o mundo do maravilhoso, luna cornata, betume da Judeia, algodão-pólvera e, acima de tudo, aquela consciência de que nos apropriamos das forças maiores do interdito.
Este mundo azul de Hayashi traz consigo um pouco de Verão. Um Verão armadilhado com as cores artificiais das imagens do Mediterrâneo e da felicidade e deslumbramento que a publicidade do turismo nos oferece. Embora um ciclone ou um tsumani possam oferecer o mesmo efeito de perturbação da gravidade.
Este mundo azul não tem vida, o ar não borbulha pela água, a túnica insuflada resulta apenas numa ausência. Há constelações de luz, como cianobactérias, filamentos que se enrolam e esvoaçam. A túnica floreada, com espaços brancos de luz onde ela se ausentou, flutua, como uma medusa translúcida e transparente, num mar decididamente primordial. E é esta contradição, este anacronismo pregnante, que nos pode fixar uma interpretação.
A fotografia é um catalizador das nossas experiências e das nossas simulações. Inscreve-se na negação do seu significado de real e na realidade do seu papel de duplo material. Emulsiona mundos azuis que aceitamos como realidade visível mas inexistente. E, porque visível, exigimos entendê-la. Aqui, neste espaço que pode ser também um universo de convenção (porque o olhamos através do azul, bem nosso, do estreito céu) não há perspectiva, a olho nu tudo se passa na mesmo superfície. A única armadilha é a da imaginação. A nossa e a de Hayashi, sugerindo-nos esse mar primordial onde flutua uma impossível túnica de fibra artificial.
A água, ao que se sabe, no processo do cianotipo, intensifica ainda mais o azul.”
Com os cianotipos, decididamente construídos, objecto a objecto, entramos no mundo da imaginação e do delírio. E não interessa conceptualizar que Hershell, o astrónomo inglês amigo de Talbot, os criou em 1842 ou que Pellet, em 1878, quase industrializa o papel sensível que lhes dá cor e menos trabalho; nem sequer que nos cansamos dos livros de botânica ilustrados a azul ciano e das gravuras requintadas e envelhecidas de uma tia velha qualquer, quando havia sala de estar só para as senhoras bordarem e lerem o Camilo.
Os cianotipos representam essa amálgama de Ilustração das elites curiosas e da Revolução Industrial dos capitalistas: o cianuro de potássio é um sub-produto do gás de iluminação e o ácido fórmico que nos imprimiu a higienização da vida é um dos derivados dos ferro-cianuros. Agora hesitam entre a insistência estética e o revivalismo. Hoje, usa-se o papel Diazo. Mas a velha mistura dos dois sais de ferro de Hershell, dá uma outra patine à experimentação.
A impressão fotográfica tradicional abre-nos sempre a porta do universo da Alquimia. Subjacente ao esclarecimento que a Química oitocentista exigiu das velhas fórmulas e vocabulário hermético, ficam inesquecíveis palavras-chaves para o mundo do maravilhoso, luna cornata, betume da Judeia, algodão-pólvera e, acima de tudo, aquela consciência de que nos apropriamos das forças maiores do interdito.
Este mundo azul de Hayashi traz consigo um pouco de Verão. Um Verão armadilhado com as cores artificiais das imagens do Mediterrâneo e da felicidade e deslumbramento que a publicidade do turismo nos oferece. Embora um ciclone ou um tsumani possam oferecer o mesmo efeito de perturbação da gravidade.
Este mundo azul não tem vida, o ar não borbulha pela água, a túnica insuflada resulta apenas numa ausência. Há constelações de luz, como cianobactérias, filamentos que se enrolam e esvoaçam. A túnica floreada, com espaços brancos de luz onde ela se ausentou, flutua, como uma medusa translúcida e transparente, num mar decididamente primordial. E é esta contradição, este anacronismo pregnante, que nos pode fixar uma interpretação.
A fotografia é um catalizador das nossas experiências e das nossas simulações. Inscreve-se na negação do seu significado de real e na realidade do seu papel de duplo material. Emulsiona mundos azuis que aceitamos como realidade visível mas inexistente. E, porque visível, exigimos entendê-la. Aqui, neste espaço que pode ser também um universo de convenção (porque o olhamos através do azul, bem nosso, do estreito céu) não há perspectiva, a olho nu tudo se passa na mesmo superfície. A única armadilha é a da imaginação. A nossa e a de Hayashi, sugerindo-nos esse mar primordial onde flutua uma impossível túnica de fibra artificial.
A água, ao que se sabe, no processo do cianotipo, intensifica ainda mais o azul.”
Maria do Carmo Serén
Noriaki Hayashi, (1970, Gifu, Japão). Acumula prémios e citações no seu país e exposições na Europa e no México; editou a revista de arte No Count Papers
Fonte: Arte Photográphica
Sem comentários:
Enviar um comentário