
The Diminishing Present
(© Edgar Martins)
“Esta cultura que vivemos, onde se juntam a sociedade de massas e da multimédia a pecados velhos, despertou medos arquétipos e fez deles as banalidades que desfrutamos com comunitária ligeireza em filmes de Carpenter, Tim Burton, Cronenberg, Ridley Scott ou Wes Craven; permite-nos ainda aclimatarmo-nos a figuras de reconhecimento como qualquer Alien, a Matrix de Morpheus e Neo ou Constantine ou a renovados vampiros e mortos-vivos. Este tema de abominação paredes meias com o de contaminação é comum na Fotografia e em qualquer outra arte contemporânea, mas amalgama-se, como efeito perverso, com a inquietação solitária e o desespero miudinho que nos atravessam em lugares de estranheza.
A própria civilização mediática e electrónica vai criando os seus sítios estranhos, como os não-lugares da sobremodernidade de Marc Augé, que é tudo o que nos rodeia para nos fazer livres e felizes: as temíveis estações de metro fora de horas, os aparcamentos vazios com a sua aparelhagem expectante, as arriscadas caixas de Multibanco, as indicações, a sinalética, os cartazes que nos dizem como conversar com os nossos fantasmas.
Outro efeito da ordenação da cultura mediática é o desprazer que nos causam as periferias. Temática de reflexão social e montra de desregulamento cívico, a periferia tem deficit de equipamentos básicos, desertifica-se nas horas de trabalho, é marcada pela incompletitude. É o sítio bárbaro por excelência, porque muito próximo e tentacular: não é já o arrabalde simpático e de lazer, mas um caos sorrateiro que cresce de fora contra a cidade.
Tornou-se, naturalmente, um tema fotográfico, mais, um tema da arte do visual, seja no conceptualismo, seja nos humanistas. A ideia de periferia mexe-se no espaço ético e a sobremodernidade.
Edgar Martins, que desenvolveu o seu mérito académico na Grã-Bretanha, assumiu este tema conceptualmente e acabou por desenvolver um tipo de olhar que nos remete tanto às concepções de Axel Hütte, como aos justos devaneios ecológicos e etnológico dos americanos New Topographics, nomeadamente na sua série “Buracos Negros e outras inconsistências”.
Esta fotografia pertence à série seguinte, “The Diminishing Present”, o que já diz tudo sobre a evolução do seu imaginário. Porque, afinal, esta paisagem molhada pelo nevoeiro, cabe no nosso museu imaginário fotográfico; estamos habituados a estes caminhos de bichos traçados no terreno, a um qualquer renque de árvores indecisas num horizonte qualquer, apesar da dimensão e da cor digitalizada, apesar do céu vazio que apontam a pós-modernidade. Mas aqui há qualquer coisa de novo e perturbador: pela geometria ajardinada das árvores? Pela opacidade do ar? Pela luz espectral?
A tentação é não relevar a imagem do referente natural que traz consigo, mas associá-la a outros lugares que conhecemos de filmes ou de vídeo-clips, já que se trata de um esvaziamento e de um não-tema. A informação que presta é obviamente conceptual, mas o todo, olhando-nos, afirma o que bem reconhecemos, a solidão, o incómodo da névoa, a humidade do chão, o corte com a transparência do futuro: o que está para lá no espaço e, necessariamente no tempo, e não vemos, não adivinhamos. E que a opacidade brumosa nos esconde. Edgar Martins não nos oferece uma paisagem, mas o padrão processual para a sintetizar. Tudo o que se mostra e o que se oculta, o que sabemos e o que sentimos perverte a informação. E inquieta, desestabiliza.”
Maria do Carmo Serén
Edgar Martins (1977-), vive e trabalha, como fotógrafo e editor (The Moth House) na Grã-Bretanha, onde foi premiado (2003, 2005) e considerado “um dos mais influentes jovens artistas que usam o medium fotográfico”. Expõe habitualmente na China, Inglaterra e Portugal"
In http://blogs.publico.pt/artephotographica/
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